Tenho sido muito paciente, meu filho. Aceito de ânimo nada leve, todas as palavras que me contas que te dizem e finjo. Finjo que a maioria delas não tem grande importância, não quero que lhes dês importância, quero que enfatizes apenas as que valem a pena.
Ontem perguntaste se tenho nojo de ti, porque o Salvador assim te disse, que metias nojo e que eu e o pai tínhamos nojo de ti. Não te disse mas tenho nojo desse Salvador que não sei quem é, tenho nojo das palavras que lhe saem da boca, tenho nojo de saber que os pais do Salvador talvez não saibam mas deviam saber que o filho deles, tão pequeno, é uma criança má. Tenho nojo dos que te agridem e dos que te ignoram mas não te posso dizer. Digo-te que continues a fazer esse esforço tantas vezes frustrado de te incluíres num mundo que não é o teu e onde nem sequer te encaixas. Também te digo que não faz mal não seres parte de tudo ou de nada, que podes ser o que quiseres, que só não podes imitar os outros, porque ser igual aos outros é diferente de fazer parte de alguma coisa. Que te podes manifestar na tua individualidade mesmo que isso pareça estranho a tanta gente, que não podes copiar a maldade alheia mesmo que isso te faça sentir melhor. Não deixes que ninguém, nem mesmo eu, desenhe o teu caminho, fá-lo de estranheza, fá-lo de diferença, escreve-o em maiúsculas à máquina que só tu entendes mas nunca escrevas palavras que ouviste, se estas não forem as que te ouço quando me falas ao ouvido de mansinho. Faz o que te digo, não faças o que eu sinto...