Capítulo VIII
Elisinha começa a sentir-se zonza, talvez não devesse beber, afinal não está habituada e estas andanças com a Maria não são boas para a sua reputação. De repente desmaia, várias pessoas acodem, começam a atirar-lhe água e começa a vir a si. Estava deitada no alcatrão mas não na porta do Lux, não sabia bem onde estava, só via quatro patas peludas e o que lhe parecia ser chichi a pingar. Tudo não passou dum sonho, talvez o seu João não tivesse feito nada daquilo que pensara sonhar. Ou talvez sim.
- Aiiiiii Flávio, que foi isto que s'atravessou nas patas do burroooo?
- Eu sê lá Preciosa mas que chera pior que as entremeadas lá isso chera. Manda os cachopos desmontar da carroça e ver o que se passaaaaa.
- Celestinooooo, não ouviste o tê paiiii? Vai lá ver o qué aquiloooooo.
O bairro inteiro assistia de longe ao atropelamento da Elisinha, ninguém se aproximava dos ciganos recorrentemente mal afamados, ainda por cima de carroça. Desde que proibiram os carros mais velhos na parte antiga da cidade, era um corrupio de carroças, no entanto, já se respirava muito melhor. Mais abaixo, reinava a confusão, uns gritavam para ligar para o 112, outros esbracejavam para a dona da mercearia da Avenida para que chamasse a polícia, agora chegar-se lá perto é que nem o João que ainda se refazia do susto de ter sido apanhado com a boca na Maria.
O ciganito desceu da carroça e gritou:
- Paiiiiii, é só uma mulheri, chera um bocado a merda mas acho que nã se alêjou. O burro é que ficou com a pata torta.
Elisinha levanta-se meio atordoada, com os rolos pendurados na testa e a combinação toda esburacada mas empunhando a chave pestilenta da traição.
- Ai mulheriiiii, sai daqui ou ainda levas com uma entremeada nas ventas. Aiii quer veri, deu-me cabo do burro.
Elisinha ganha coragem e resolve voltar para trás, agora o seu João vai ter de explicar bem explicadinho o que faz no cimo do Ford Cortina com a ordinária da Maria. Logo a Maria, toda a gente sabe que ela já se deitou com todo o par de calças da Avenida da Igreja, até dizem que fez aquilo lá na roda gigante da Feira Popular. As más línguas até lhe chamam a bicicleta da aldeia mas a Elisinha nunca pensou que fosse tanto assim, afinal as mulheres só são assim nas novelas da TVI.
Nos entretantos, alguém dera ao João e à Maria uma toalha de renda e um lençol às bolinhas que cairam do estendal da D. Leocádia, eles tinham muito para explicar mas não desnudos diante as criancinhas que de nudez nada sabiam mas já perguntavam às respectivas mães se as maminhas da Maria eram mesmo assim ou se tinham silicone.
Elisinha chega esbaforida, os olhos estavam vermelhos de chorar e também de raiva.
- Elisinha, eu posso explicar... - balbuciava João segurando na mão a renda que antes lhe tapava as partes.
- Manuel João eu não acredito que me traíste, logo hoje, no dia em que me ia entregar a ti.
- Hoje? Se fosse só hoje. - Maria sentia que tinha de provar que o garanhão era seu há muito tempo
- Eu não acredito, ainda ontem no confessionário do Padre Henrique lhe professava o meu amor por ti.
O Padre Henrique, que entretanto alguma beata chamara, ao ouvir o seu nome e a alusão ao confessionário ficou vermelho que nem um tomate. Afinal a Elisinha não era tão púdica como toda a gente julgava...