segunda-feira, 17 de maio de 2021

Do medo

Tem sido muito difícil escrever sobre o meu filho nos últimos tempos, talvez porque instituí que este blog tinha de ser uma coisa feliz e cheia de amor, ou apenas porque não sei bem qual o caminho que trilho com ele neste momento e me sinto a falhar. Ou que, pior do que isso, delego em mim uma culpa de que tudo o que fiz para trás foi tão mal feito que agora estou a colher os dividendos de todos esses erros. e neste momento, a felicidade está tão contida e o amor, sempre tão desmesurado, se perde entre ralhetes, punições e lágrimas.
Sei de antemão que sozinha não consigo  mudar o mundo e muitos menos os pensamentos padronizados de uma sociedade que educa pela vergonha e mais pelo que não se deve fazer do que pelo respeito e aceitação dos que divergem do padrão. Mas podia ter tentado, podia ter falado mais alto, podia não ter condicionado comportamentos com medo de que o julgassem ainda mais por ser ele próprio. Acredito cada vez mais que cada pessoa tem o seu lugar no mundo e não no seu mundo, se esse lugar for o de "esquisitóide", que seja, só que não seja "o esquisitóide que até tenta ser normal".
Partir do pressuposto que alguém que não é neurotípico, não é uma pessoa completa, dirige-nos no sentido de que há um vazio, uma falha que precisa de ser preenchido. O meu filho cresceu com uma mãe que demasiado tarde percebeu, ou percebeu agora, que mais que tentar integrá-lo, deveria ter trabalhado no sentido oposto. Muitas vezes eu tentei que o meu filho fosse "normal" mais do que tentei que os outros empatizassem com ele e os seus comportamentos. São momentos fugazes, na fila do supermercado, ou na loja onde ninguém te conhece, ou porque tens muita pressa e é mais fácil dizer "agora não podes fazer isso, tira as mãos dos ouvidos, não mexas nessa porta, não podes andar nu na praia". E apesar de sentir que sempre tentei educar as pessoas com o preâmbulo da aceitação, fi-lo de uma forma muito dirigida a quem tinha e tem de lidar com ele no dia a dia, deixando para trás todas as outras pessoas que compõem um mundo que não é o nosso.
Sinto que devia ter desafiado mais os outros, mais que desafiar macaquito com conceitos de normalidade, o que se impunha, e se impõe, é desafiar os outros a aceitá-lo da forma que ele é, com todas as suas estereotípias e a sua falta de filtro para os padrões normalizados na nossa sociedade. Todas as coisas que não deixei que fizesse por pensar que o estava a proteger e que não sendo confrontado com a azia alheia, ele não se magoaria, estão a ter um efeito boomerang porque ele está a crescer e está a tentar ser igual aos outros, só que os gestos mecanizados perdem-se quando confrontados com uma nova aprendizagem ou realidade e na adolescência isso é uma constante. E eu não estou sempre lá.
Eu não estarei para sempre cá!



9 comentários:

  1. Minha querida Be, o que te posso eu dizer de uma partilha tão franca e sentida? Entendo o que dizes, mas não tendo experiência, tudo o que tento dizer me soa paternalista, e não queria isso.
    A vida é tão bela, quanto difícil. Acredito piamente que não adianta de nada culparmo-nos do que fizemos com boas intenções, mesmo quando o resultado nós possa parecer negativo.
    Não sejas tão severa contigo, Be. Um dia de cada vez e nunca é tarde para tentar diferente, se assim te parecer.

    Falta conhecimento/educação sobre o tema, neste e em muitos outros, na TV é só lixo, tretas junk food ou notícias mastigadas. É urgente normalizar a diferença e aprender a aceita-la (e não, como bem dizes, tentar muda-la para que se adapte às maioria).

    Um grande beijo.

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  2. Não me soas nada paternalista, o que dizes faz todo o sentido, no entanto não consigo evitar pensar que poderia ter chegado mais longe e a mais pessoas. Não ter pensado só no momento mas no futuro, não ter pensado só no meu filho mas em todos os miúdos que de alguma forma terão esta necessidade de inclusão.
    O pior disto é que olhando para trás, sei que fiz o que me pareceu certo a cada momento. Mas analisando os resultados fica a sensação de que é muito pouco, que alguns dos problemas que sentimos neste momento, advêm da falta de aceitação social por parte dos pares (dos pais dos pares, dos professores, dos que não o conhecem...), dado que nos círculos mais restritos, onde consigo chegar às pessoas, a convivência dele é completamente natural e sem "stresses".
    Então vêm os "e se..." e fico um bocadinho na merda.

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    1. Minha querida Be, se fizeste o que na altura te parecia certo, alegra te, é assim que deve ser. Nada de arrependimentos. Não deviamos menosprezar as decisões que tomamos, pelos resultados (sempre subjectivos na interpretação).
      Não sejas tão dura contigo mesma, Be.

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  3. Mando-lhe só um abraço apertado, pois não sei dizer mais nada.

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  4. Minha querida Be, o blog é teu, aqui escreves o que te apetecer. Como tanta gente, estou certa, eu voltarei, independentemente do registo. Todos sabemos que a vida nos é madrasta umas vezes, mãe outras. Vidas cor-de-rosa só existem ao nível da influencer, e, mesmo essas, agora andam numa de se "humanizar".

    A minha modesta opinião, quanto ao que escreves, é que, a partir do momento em que agiste com o coração e com a inteligência e sensibilidade com que o fazes sempre, significa que fizeste tudo bem feito. A partir de agora, poderás mudar algumas coisas, em função das mudanças do teu rapaz, mas isso também a tua percepção única saberá avaliar e ditar.

    E sim, estarás cá sempre: na imensa ternura com que o educaste, nos ensinamentos para a vida que lhe ficarão.

    Abraço apertado e muitos beijinhos

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    1. É tudo isso que dizes, será com certeza fácil mudar o meu registo, para ele não será assim tão óbvio. Enfim, um dia de cada vez que dois ao mesmo tempo, não consigo ;)
      Beijo

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  5. Quanto peso e quanta pressão, Be!... É o que mais me salta à vista, ao ler estas palavras tão pessoais!

    Não sei nada da vossa vida, a não ser o que vou lendo aqui nos últimos anos, mas acho que o simples facto de teres este blogue, é também um esforço para "mudar o mundo", para desafiar os outros a aceitar a normalidade do macaquito.

    No fim do dia, o que importa mesmo é saberes que fizeste sempre o que te parecia correcto. Não podes mudar o mundo, mas vais mudando o mundo à vossa volta. E isso já é tanto!

    Um grande abraço e força!

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    1. Isto começou com uma pequena brincadeira que foi tendo alguma visão e por isso, talvez tenha tido essa ilusão, que este pequeno canto poderia "mudar um bocadinho de mundo". É desgastante perceber que é sempre pouco.
      Fico feliz por cada pessoa que me chega e chegou e que acabam a comentar que tiraram daqui alguma lição, por pequena que fosse.
      Neste momento, não consigo chegar ao mundo mais importante que é o do meu pequeno macaquito. Há dias em que baixo os braços mas no seguinte, arregaço as mangas. Lá chegarei!
      Obrigada pela força, abraço.

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Dá cá bananinhas!