quinta-feira, 26 de abril de 2018

O amor é gourmet

Desde que me lembro e quase invariavelmente o meu pequeno almoço são torradas e leite. Quando preparo torradas para mim e para macaquita escolho as mais branquinhas para ela e tiro a côdea, é assim que ela gosta. 
Na manhã de ontem, acordei e encontrei macaquito na sala a ver televisão, o resto da macacada dormia ainda, arranjei o pequeno-almoço só para ele, deixei-o comer na sala e fiquei com ele no sofá. Passado um bom bocado, macaquita acordou e veio dar-me um beijinho, desaparecendo de seguida. Algum tempo depois, aparece de novo na sala.
-Mamã, preparei-te o pequeno almoço.
-O pequeno almoço? Que bom, vamos lá ver isso. - segui-a até à cozinha. Em cima da mesa, uma caneca com leite achocolatado e um prato com duas torradas quase carbonizadas.
-Gostas mamã? As torradas estão pretas como tu gostas.
-Pois é, mesmo como eu gosto. - sentei-me e comi sem reclamar, estavam mesmo boas. 
O amor torrado sabe sempre bem.

sábado, 21 de abril de 2018

Crimes passionais

A minha ausência aqui prende-se com o motivo pelo qual me tenho ausentado também na vida de macaquitos, coisas boas porém. Em contrapartida, pai macaco tem recebido uma dose extra de vida familiar, mais refeições juntos, mais banhos, mais tpc's, mais passeios, mimos e obviamente, mais situações inusitadas que é o que acabo por sentir mesmo muita falta. Hoje quando foi buscar macaquito à escola, assiste a uma cena em que outro miúdo, agride macaquito com um murro na barriga, ali mesmo junto à entrada da escola. Como não sabia o porquê, não interferiu junto da outra criança e apenas tentou acalmar o filho que chorava copiosamente. O pai do outro miúdo, que pelos vistos até conhece pai macaco, veio ter com ele, pediu desculpa e explicou o sucedido. 
-Desculpa, a sério mas sabes porque é que foi? Foi por causa da Maria Inês, o teu filho andou de mão dada com ela e o meu (apaixonado) passou-se porque diz que ela é a namorada dele.
De seguida, obrigou o miúdo a pedir desculpa que pediu, contrariado, e o nosso desculpou.
E enquanto o pai me contava isto, macaquito exibia um sorriso malandro e vitorioso e ainda me acrescentou os pormenores de ter tomado a mão de dama alheia. E ao que percebi, ela é que lhe deu a mão, ele apenas não a recusou. 

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Dias bons

Chegar a casa, beijá-los já na cama e depois ter isto à minha espera...


No dia anterior, uma bolacha personalizada pela irmã, não tive tempo de fotografá-la mas era boa ;)

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O nosso universo

Quis o calendário escolar que hoje recomeçasse a escola após um período de quinze dias de maus hábitos de sono, zero reclusão, zero regras, enfim, quase zero rotinas ao contrário do habitual durante o tempo de aulas. 
Quis o ministério da educação que as crianças voltassem à escola para gaúdio de  alguns pais e verdadeira tortura para outros como eu que desfrutam de uma tranquilidade familiar quase absoluta quando os rebentos estão de férias pois se não há obrigatoriedade de ir dormir cedo, há dias de mimo em casa dos avós, há passeios infindáveis pelo campo, então não há crises existenciais (a não ser na hora de tomar banho, coisa que os meus filhos fariam de bom grado apenas de quinze em quinze dias caso eu o permitisse).
Quis a sociedade que as férias acabassem mas não quis macaquito, portanto hoje, o meu dia e o dele, especialmente o dele, foi um tormento, choro para acordar, choro para o pequeno-almoço, choro para vestir, lavar dentes, calçar, pentear, sair de casa, entrar na escola, choro na hora (e meia) de almoço, choro para entrar de novo na escola e um sorriso de orelha a orelha, assim que me viu à saída das aulas.  
-Têm TPCs? - pergunto ainda o carro.
-Não! - responde macaquita.
-Eu tenho de estudar e acabar um trabalho. - responde ele e eu começo logo a imaginar a próxima sessão de choro.
Ainda durante o lanche vai à mochila, tira o caderno e mostra o que tem para fazer. Estudar o sistema solar e preparar uma apresentação oral. No mesmo momento tive a certeza que conseguia fazer aquilo sem recorrer a psiquiatras.
Ele era o sol e macaquita a terra, movimentos de rotação e translação no meio do quarto, os planetas distribuídos pelo universo que contempla bananas e outras frutas alien, uma barrigada de risota e a matéria sabida na ponta da língua.
É por dias destes que nunca desisto.


quarta-feira, 4 de abril de 2018

"What we've got here is failure to communicate"

Acho que tenho um problema de comunicação, ora se repito a mesma coisa vinte vezes, ou cem, ou mesmo mais. Fico sempre na dúvida se não me está a ouvir ou se não compreendeu ou se pura e simplesmente não está para aí virado, começo a acreditar cada vez mais na última hipótese. Gosto que tome banho sozinho quando temos tempo para isso, no entanto, tenho de ficar do lado de fora a explicar como fazer, ordem a ordem para não baralhar muito.
-Macaquito, ainda não molhaste o cabelo todo. Vá atrás também e agora atrás das orelhas... sim, do outro lado... boa. Agora pousa o chuveiro pega nesse frasco em cima e põe champô. Não, na prateleira de cima, nãaaaaaao, a de cima, sim esse. Só um bocadinho, nãaaao... isso é demais. Metade para o chão, não faz mal, agora esfrega, mais para cima, atrás das orelhas... das duas orelhas... direita.... esquerda.... pronto, está bom. Pega no gel de banho... não, esse é o frasco do champô, o do lado com a tampa azul, isso... despeja um bocadinho. Menos, menos, menos, vais entornar... ok, não faz mal. Esfrega bem, pescoço, braços, debaixo dos braços, rabinho, pilinha...
-Rabinho? Quem tem rabo são os cães, eu tenho cu!

Obrigada pai macaco, depois explicas-me como passar tão bem as mensagens....

terça-feira, 3 de abril de 2018

Curto-circuito

Dou comigo a arrancar estrada abaixo, máquina fotográfica às costas e os putos em modo pedinte para passeio pelo campo. Pelo caminho encontramos cavalos, dentro da cerca, aproximam-se como se nos viessem cumprimentar, os miúdos e a avó dão-lhes ervas frescas que apanham do lado de cá e eles deixam-se presentear com festinhas no focinho. E eu, armada em fotógrafa, faço por guardar um punhado de memórias em formato digital. Até aqui tudo bem mas eu sou aquele tipo de pessoa que não vai a lado nenhum que não aconteça uma merda desgraça qualquer, por isso, naquele momento em que estou tão entusiasmada, a tirar a foto, aquela que parece saída das cenas do National Geographic, me esqueço dos 30 mil avisos que tinha feito aos putos e encosto o braço à cerca eléctrica e apanho um choque tão grande que fiquei com o braço dormente e quase posso afirmar que me saíram faíscas pelas orelhas. 




Mas a foto ficou bonita, hein?!  

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Não sejas pedra!


Podia começar por explicar o que é o autismo mas não arrogo esse conhecimento porque cada pessoa com esta perturbação é uma pessoa diferente, em comum os autistas têm apenas o diagnóstico. Explico-vos o que é viver diariamente com uma criança nessa condição, o meu filho cujo autismo é parte do que é e condiciona a forma como se relaciona mas que de forma nenhuma o define.
Sair de casa é uma odisseia, é nunca saber se vai correr bem ou mal porque em casa ele é geralmente tranquilo, acontece que na rua a quantidade de estímulos a que é exposto podem dar azo a reacção fora do comum, como chorar, correr ou gritar. Claro que isto não é assim tão óbvio, porque não é sempre igual, há aqueles dias em que ele está agitado antes de sairmos e a rua funciona como uma espécie de tranquilizante, há os outros dias em que tudo está radioso na tranquilidade do lar e de repente, o céu desaba. Há também as mudanças de humor nos espaço de segundos e sem motivo aparente. Por isso, sair de casa é sempre uma incógnita e um desafio constante à minha capacidade de controlo e gestão de situações caóticas. No nosso canto as coisas são mais fáceis, não porque estas mudanças súbitas não existam mas porque as rotinas, o espaço controlado ajudam-no a regular-se e o não ter 50 pares de olhos a castrar, ajuda-me a mim a regular-me, conseguimos ultrapassar a maioria das "crises" com um abraço a dois.

Podia continuar, mas isso é o que faço aqui todos os dias, claro que privilegio as coisas divertidas, não que a nossa vida seja um mar de rosas mas porque isso é a nossa essência, é o que somos, felizes por estarmos juntos contra todas as pedras que se atravessam no nosso caminho. 
A mensagem que quero deixar hoje, dia mundial da conscientização do autismo, é que não sejam pedras, não atrapalhem o caminho de quem já tem tanto por que lutar. Para nós, que convivemos com o autismo todos os dias, a luz azul está sempre acesa e precisamos que as pessoas se lembrem de nós nos outros dias do ano, que  NÃO TEORIZEM, NÃO JULGUEM, NÃO EXCLUAM...
Sejam pacientes, façam perguntas, respeitem a diferença, criem uma oportunidade de trabalho, ajudem um cuidador ou partilhem um abraço, às vezes é só do que precisamos... de um abraço.