quarta-feira, 27 de maio de 2020

Um acidente, vários traumas

Foi num destes dias em que lhes dei um voto de confiança e entre mil trezentas e cinquenta e sete recomendações lá os deixei ir andar um pouco de bicicleta sem supervisão. Passados nem 15 minutos, estavam de volta, de sapatos na mão macaquita diz preocupada:
- Não te zangues com o mano mas ele caiu. Conta lá à mãe. - diz ela olhando para ele, antevejo o disparate antes dele começar a falar.
- Mãe, eu caí a descer o passeio e bati no carro do vizinho. - murmura entre soluços.
- Calma, não vale a pena chorar, tudo se resolve. Estragaste muito?
- Um bocadinho mas foi sem querer.
- Anda lá comigo para me dizeres que carro foi.
Saímos juntos, ele chorava e pedia desculpa e eu tentava acalmá-lo dizendo que não era o fim do mundo. Chegados à rua, ele lá mostrou o carro e a marca da borracha na pintura, eu não fazia ideia de quem poderia ser o carro mas ele lá me diz que é o carro do vizinho FGTSE, marido da vizinha JGED que moram no nº XPTO e têm uma cadela chamada KJGVB, continuo a ficar impressionada com o facto dele conhecer todos os vizinhos pelo nome, morada e matrículas dos carros e acreditem, não são poucos. Tocámos à porta, explicámos o sucedido e o senhor veio ter connosco.
- Macaquito, não te preocupes, isto não é nada, sai com um polish mas fico muito contente que tenhas dito o que aconteceu, outro qualquer ia embora e não dizia nada. - isto não o sossegou, continuava a chorar e a pedir desculpa entre soluços, eu dizia que não fazia mal e o vizinho para tentar acalmar a situação, refere que é o carro do banco que não há problema nenhum.
- Do banco? DO BANCO?! Ai agora que vai ser despedido por minha causa.... Eu assumo tudo, eu vou lá falar com o seu chefe e pedir desculpa. Mas o que é que fui fazer? Mãe, tu não estás a perceber, o vizinho vai ser DES-PE-DI-DO! - chorava convulsivamente e eu e o pobre homem tentávamos acalmá-lo mas ao mesmo tempo ríamos um para o outro, era impossível não achar piada a toda aquela aflição, depois de vários abraços meus e muita paciência do vizinho lá voltámos para casa.
Passado algum tempo, ele continuava triste e choramingas, coisa que não é habitual, consegue desligar dos problemas com alguma facilidade mesmo que depois volte a eles em momentos posteriores e repetindo tudo o que aconteceu. Estranhando, perguntei:
- O que se passa agora? Continuas a chorar...
- Sabes mãe, eu magoei-me... nos tintins. - a irmã confirmou e eu perguntei se era muito, ele disse que não era nada, não me convenceu mas como não respondia a nada, acabei por não ligar mais.
A meio do jantar pediu para se levantar, dois minutos depois:
- MÃEEEEEEEEEEEEEEEEEEE! - dou um salto da cadeira e corro para a casa de banho, chorava de novo.
- Tens de ver isto.... tenho uma ferida.... e sangue, aiiiiiiiiiii. Dóiiiiiiii! - sentado na sanita e sem qualquer pudor mostra-me todo o material de pernas escancaradas. Eu olho para aquilo e sem saber o que fazer chamo pai macaco.
- O que se passa? - pergunta ele.
- Tu tens de olhar para aquilo, vê lá se é grave. - e o puto lá continuava de perna aberta.
- Eu tenho de olhar? Eu sei lá se é grave.
- Oh pá, eu não percebo nada de tintins. Tu olha lá para aquilo e diz-me se é normal, tem lá uma ferida e um alto. Tu é que podes saber se é grave, tu é que tens testículos, hás de saber melhor que eu.  - macaquito já se ria, parecíamos dois malucos a discutir testículos. O pai lá lhe deu umas indicações e eu acabei a tratar a ferida com macaquito a rir-se de toda a parvoíce.
Durante dois dias, a frase que mais usou, foi:
- Se calhar é melhor vires ver os meus testículos, para ver se está tudo bem...  - e depois ria-se disfarçadamente mas não o suficiente que eu não conseguisse topar.






terça-feira, 26 de maio de 2020

Sabem porque é que adoro sextas-feiras ao final do dia?

Porque a partir das cinco da tarde acabam-se as reuniões síncronas e os trabalhos, macaquito agarra-se à Playstation e eu, contrariando todas as regras, deixo que jogue sem interromper, a miúda habitualmente arrocha no sofá e não chama mãe até à hora de jantar, jantar esse que pai macaco traz de algum lado pois  à sexta recuso-me a cozinhar. É o dia em que me sento um pouco no sofá ao fim do dia e é no sofá que me apetece ficar mesmo que não tenhamos jantado.
Estou a rebentar pelas costuras, os meus filhos estão fartos um do outro e eu confesso que há alturas em que também estou farta deles. Tenho saudades de ter saudades deles, de esperar ansiosamente pelo fim do dia para ir buscá-los à escola e ser recebida com histórias e abraços, quase sinto saudades das queixas de bullying, dos choros quando os colegas lhe pregam partidas, de ir à escola falar com professores sobre a melhor forma de gerir comportamentos.
As histórias agora são sempre as mesmas, as queixas são um do outro, de merdas que não lembra ao diabo, os choros porque sim e porque não e gerir comportamentos é coisa que deixei de fazer pois espero sentidamente que o façam sem à minha intervenção.
As manhãs começam quase sempre tranquilas mas ao longo do dia as embirrações tomam-nos por completo e a palavra mãe é repetida a cada cinco minutos.
As maioria das aulas online não funciona, os professores estão ali a encher chouriços, (tirando um caso ou outro dependendo das disciplinas mas os professores aqui não são os visados porque a tarefa deles é hercúlea e têm toda a minha solidariedade) as conexões não são todas iguais, uns conseguem entrar, outros não, há miúdos que repetem comportamentos abusivos de aula para aula como provavelmente já fariam em contexto de sala de aula, há pais que falam ao telemóvel durante as aulas na mesma divisão onde os filhos tentam aprender, há quem se divirta a boicotar o trabalho dos professores e eu, eu estou mesmo farta disto. O tempo que perco naquelas aulas, (sim porque tenho efetivamente de estar sentada do lado dele para que ele se concentre e aproveite alguma coisa) ganho enquanto lhes explico as matérias da forma que sei que aprendem e se têm aprendido mas eu, eu estou muito farta disto.
Perdi o emprego, como milhares de outros portugueses, entretanto tive outra proposta que não sei se esperará por mim porque até ao final de Junho trabalho para o Ministério da Educação, sem receber um chavo. Agora vem o "meu patrão", o senhor ministro da educação dizer que para o ano vamos manter este registo de ensino doméstico a par com o ensino presencial e eu penso cá com os meus botões que ninguém me paga para isto!
Agora virão com certeza, os pais dos alunos cinco estrelas dizer que eu não quero é ter trabalho, que sou pouco organizada, que os filhos deles trabalham autonomamente e que não têm de levar com as queixas dos pais dos putos das necessidades educativas especiais porque nem todos podemos ser doutores e engenheiros. E eu respondo-lhes que vão lá para a mãe que os pariu porque o meu filho autista desde que estuda comigo, dá dez a zero aos meninos deles e eu sinto um orgulho imenso dele e de mim, só que ele não é autónomo e a irmã também precisa muito de mim e eu? Eu gostava de ter uma vida normal outra vez, com tempo para mim, para os meus amigos, para o meu trabalho e para os meus filhos. Este novo "normal" não me assiste e quem acha que isto é normal tem de ser, com certeza, anormal. Quero de volta o meu tempo, tempo em que era com certeza mais feliz, em que não deixava o meu filho agarrado a uma tecnologia qualquer só para poder ter 5 minutos do dia sem ouvir  a palavra MAAAAAAÂEEEEEEEEEE.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

No meio do mato não há pessoas, até às 15:30...

Efeitos da quarentena, ou não, macaquitos esqueceram-se do dia da mãe, apesar de terem falado nisso a semana inteira. O pai acabou por dizer-lhes e eu fingi-me triste e ofendida só para ver a atrapalhação deles. Metia dó!
Para compensar, fizemos uma escapadinha. Foi mais uma fuga à multidão por estradas secundárias só para lhes fazer a vontade e deixá-los matar saudades dum mergulho.
Eles divertiram-se durante uma hora, ali no meio do nada e de um momento para o outro, chegaram carros e carros cheios de pessoas e nós fugimos para casa.