sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Agora que já consigo rir-me do último filme de terror

 
Chegámos à casa da aldeia ou, como dizem uns amigos muito queridos (e tontos), ao Turismo Rural da Fonte de Pedra, entusiasmadíssimos para passar uma tarde. Mentira, fomos mesmo só para limpar e dar um jeito no quintal, por isso, a única pessoa entusiasmada era mesmo macaquito pois não participa em nadinha que envolva esforço físico, mas é mesmo bom a moer-nos o juízo. Desculpem, comecei o parágrafo a mentir porque na verdade, só estávamos no início da rua quando tudo se precipitou. Foi aí que encontrámos a vizinha da frente, a quem carinhosamente intitulamos de Segurança 24 visto que nos dá um olho pela propriedade quando não estamos. Enquanto dizíamos um olá, macaquito resolve sair do carro.
-Olha, eu vou à frente abrir o portão. - anuímos, ele começa a andar, e quando estamos para arrancar atrás dele, o pai apita o carro na brincadeira. Longe dele imaginar que isso iria espoletar um episódio de susto, não me lembrava da última vez que aconteceu, o certo é que parecia que tinha sido atingido a tiro, levantou os dois pés do chão e caiu como se fosse uma tábua. Ouvi o baque da cara dele a bater no chão e pensei imediatamente que tinha ficado sem dentes. Saí do carro em segundos e só via sangue, agarrei nele da forma mais estúpida que me ocorreu naquele momento e andei o resto da rua até casa com ele por um braço. Já dentro da propriedade, abri a torneira da Fonte de Pedra (vejam só isto, tontos) e tentei lavar o sangue, foi aí que percebi que não tinha um filho desdentado mas sim um filho que parecia ter sido mordido no queixo por um cão raivoso, além das mãos, braços e pernas queimados do alcatrão
Pedi a macaquita que me trouxesse uma toalha lavada, mudei-lhe a t-shirt, para não parecer que se estava a esvair (mais ainda!) e levei-o para o hospital.
Os oito quilómetros que separam a casa do hospital pareceram oitocentos, especialmente ao nível auditivo, supus que nunca mais recuperaria a audição depois daquela gritaria toda. Entrámos nas urgências e a primeira pergunta que ocorreu ao segurança, muito menos competente que a nossa vizinha, foi:
-Então, há azar? - apeteceu-me responder que não, que só tínhamos entrado para um cafezinho e que macaquito preferia chá, daí a gritaria. Entrámos diretamente para a sala de urgência onde, acredito que TODOS, os médicos e enfermeiros de serviço assomaram à porta dos respetivos gabinetes para perceber que forrobodó era aquele. Disfarçadamente, expliquei a uma enfermeira que macaquito, apesar de parecer um adolescente drama queen, era autista e que estava em pânico, que não se iria queixar uma única vez de dores mas que iria panicar com todo e qualquer procedimento hospitalar, portanto, talvez fosse melhor arranjarem-nos um local discreto para continuar o serviço ou arriscavam-se a perder todos os outros pacientes para um hospital psiquiátrico.
Fomos encaminhados imediatamente para a cirurgia, a médica que nos atendeu não podia ter sido mais humana e competente, a enfermeira que lhe tratou todos os centímetros de corpo sem pele e queimados do alcatrão foi incansável e inteligente, deveras inteligente. Sabem como conseguiu que ele acalmasse antes de seguir para o RX? Emprestou-lhe uma cadeira de rodas. Foi o sossego a partir desse momento para todos, excepto para os pacientes na sala espera da cirurgia, a quem moeu o espírito com os seus relatos do acidente, perguntas sobre o estado de saúde e manobras artísticas na SUPER MEGA CADEIRA DE RODAS!
Foi muito assustador mas o pior já passou, claro que não estamos livre doutra, se bem que espero que não seja muito próxima ou qualquer dia fico-me com uma paragem cardíaca e depois não há ninguém que ature estas merdas.
Só vim aqui relatar isto tudo para saberem que estamos vivos e de saúde, apesar das novas cicatrizes, ele no corpo e eu na alma mas também para relembrar as pessoas menos conscientes destas problemáticas que sejam empáticas, mesmo quando vos parecer que o rapaz maior que a mãe está a fazer uma birra porque tem de levar meia dúzia de pontos nos queixos.



6 comentários:

  1. Ui, até a mim me doeu. Que grande aflição.

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    1. A maior aflição é pensar que isto pode ocorrer em qualquer momento ou local. Estamos a ajustar a medicação para que não aconteça mas não se consegue não ter receio.

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  2. Isto é serviço público! Obrigada mais uma vez pela informação através de uma escrita tão fluida!
    Já agora desejo que as cicatrizes sejam mais um motivo para o nosso menino espalhar magia por onde passa 🤭

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    1. Às vezes é difícil levar com os filhos dos outros, especialmente quando já são rapazolas com penugem no bigode. A cada centímetro que passa percebo os olhares e comentários de quem não faz ideia de tudo o que está por trás da nossa história. Dou comigo a pensar que seria mais fácil se ele não tivesse um braço ou uma perna....

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  3. Só ao ler fico com o coração na boca. A aflição de ver um filho magoar-se é terrível. Isso conjugado com o "caso especial" que é macaquito... é que nem dá para como mãe sentir aflição de mãe porque é tal a confusão com que tem de lidar, que a sua aflição de mãe nem tem prateleira onde seja possível colocá-la. É seguir, explicar, fazer de conta que não vê, não ouve, não sente...
    Só posso enviar um abraço virtual, mas acredite que se pudesse lhe dava um daqueles abraços que protegem por momentos de tudo em redor.

    Isa

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    1. Obrigada pelo abraço, Isa! Há dias muito difíceis, ao longo dos anos e de todas as aflições, desenvolvi uma carapaça, que nem tartaruga, na hora enfrenta-se e depois de passar, escondo-me um bocadinho para chorar 😉. Abraço de volta 💙

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Dá cá bananinhas!