sexta-feira, 10 de julho de 2015

Ver mais longe

Os meus pais sempre moraram na mesma rua, a vizinhança é antiga, conheço a maioria deles desde muito pequena apesar de não me recordar dos seus nomes. Há uma senhora que mora na mesma pequenina casa desde sempre e desde sempre que me lembro de a ver à janela, sempre na mesma janela e sempre com o mesmo sorriso. Todas as pessoas que passam lhe dizem sempre bom dia e ela agradece sempre com as mesmas palavras. Não a vejo diferente daquilo que era há trinta anos atrás, tirando a alvura no cabelo que usa com o mesmo penteado e as rugas mais profundas, dela nada sei a não ser o nome, não lhe conheço marido ou filhos, apenas o seu rosto emoldurado naquela janela.
Macaquito  vai todos os dias de manhã com o avô buscar o pão e passa sempre naquela janela e sempre que lá passa conversa com a Dona Palmira. Não lhe diz apenas  bom dia, conversa com ela, faz-lhe perguntas e sabe com certeza mais sobre a Dona Palmira que qualquer outra pessoa que more naquela rua, mais que do que eu ou mais do que os avós que sempre ali moraram.
Numa altura em que ainda havia aulas e macaquito esteve algum tempo sem lá ir, passou-se uma história bonita. Macaquito passa de manhã com o avô e apressa-se a chegar à janela da Dona Palmira.
-Bom dia Dona Palmira, como está? Tem uns óculos novos!
-Olá macaquito, tenho estes óculos há mais de um mês, foste o único a reparar... - disse-lhe embevecida e ternurenta. 
Fiquei triste quando a minha mãe me contou esta história, estou sempre a pedir a macaquito que me olhe nos olhos quando falo com ele, que olhe para as pessoas quando fala com elas e depois percebo que ele vê muito mais longe do que o olhar, ao contrário de nós que olhamos para as pessoas e não as vemos, mesmo que elas estejam sempre à janela, sempre com o mesmo sorriso. É sorrir de tristeza, é de certeza.

7 comentários:

Dá cá bananinhas!