quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Não é propriamente apropriado

Férias e o do costume, ou seja, a casa da avó. O meu telemóvel toca e vejo o número da minha mãe, prevendo que seria macaquito, atendo com um enorme:
-BOM DIIIIIIIIA!
-NÃO! Não está tudo bem. - diz-me do outro lado como se todos os problemas do mundo fossem culpa minha.
-Pois, estou a ver que não. O que se passa?
-A avó está zangada comigo.
-O que é que fizeste?
-Olha, portei-me mal, pus-me de castigo a mim próprio e agora estou chateado comigo próprio porque estou de castigo e a avó disse que eu podia ficar aqui a amuar o dia todo! 
E que na realidade seria um grande contra-senso desautorizar-se a si próprio e retirar-se do seu próprio castigo. 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Juro que o tento educar melhor...

Enquanto arrumava o meu quarto percebi que macaquitos se desentendiam na sala, a forma de resolver os problemas entre eles é desviar o foco do assunto que, a maioria das vezes, é tão complicado como decidir qual o canal de desenhos animados que cada um quer ver.  Opto quase sempre para chamar apenas um e desviar a atenção do não assunto.
-Macaquito, chega aqui à mamã. - chamo do quarto.
-Sim mãe?!
-Ajuda-me aqui a fazer a cama para eu me despachar mais depressa.
-Ok, vou aqui para o lado do papá. - começou a puxar o lençol mas puxa sempre na direcção dele próprio e não da cabeceira da cama. Dei a volta e ajudei a consertar o lençol e o edredão, ficou apenas a dobra do lençol por fazer, voltei ao meu lado e dobrei pedindo-lhe que fizesse o mesmo mas puxou tanto a dobra que desmanchou quase tudo.
-Macaquito, que trapalhada. Eu não acredito que um rapaz com 11 anos ainda não sabe fazer a cama. - digo-lhe em tom de brincadeira.
-Não te preocupes com isso, quando eu crescer vou arranjar uma namorada e será ela a fazer a cama!

Da perda

Quase sete meses passados sobre a morte do meu pai, macaquito começa agora a compreender a dor da saudade, a maturidade emocional que lhe achámos era, na verdade, incompreensão. Chora a impossibilidade de rever o avô, percebe agora que é irreversível, que não podemos ir buscá-lo lá ao sítio onde o deixámos. Mas o avô não queria morrer, diz-me com a voz embargada e eu explico-lhe da maneira que sei, com as palavras mais doces que sei, que a saudade pode ser boa, que é o bocadinho dele que temos no nosso coração que não nos deixa esquecê-lo e que será sempre parte do que somos. Digo-lhe, sem acreditar, que esteja onde estiver o avô nos acompanha e nos protege e estará feliz se nós também estivermos, minto-lhe deliberadamente porque não tenho outra forma de lhe mitigar a dor.
No fundo não sei nada da dor dele, ele explica-se por analogias a que tento dar expressão e valor mas não sei se consigo com exactidão uma medida para essa dor. E ao mesmo tempo que se confronta com a dor da morte percebe da pior maneira que também se perde pessoas vivas, depois do silêncio confuso a que me votou nos últimos dias, chovem agora chorrilhos de perguntas a que não sei de todo responder. Invento razões que ignoro, digo-lhe que às vezes as pessoas se sentem tão sozinhas que não querem ver ninguém mas não espero que compreenda. Enxugo-lhe as lágrimas e envolvo-o entre os meus braços e espero desta forma apaziguar as suas emoções porque sei que não há palavras que o consigam consolar.