domingo, 28 de janeiro de 2018

Quem me dera

Percorrer as calçadas do castelo que já conhecemos de cor, roubar limões e alfazema que nos perfumam os bolsos, seguir pela mata contigo agarrada ao meu vestido nas subidas e pela mão em cada socalco lamacento. Ao fim de duas horas, perguntas se é sábado ou domingo. Domingo, digo-te sem hesitar e tu respondes "faz com que não acabe" como se  me fosse possível descartar o calendário. O máximo que posso fazer é guardar todos os minutos dentro da máquina fotográfica, se pudesse parava o relógio e guardava-te também, assim pequenina.



quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O melhor de mim é deficiente, não tenham medo de dizer a palavra, vá... repitam comigo DE FI CI EN TE

Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Honestamente não sei o que odeio mais, se a minha célere admissão que andei 9 meses errada (ninguém imagina que me custa bué assumir que me enganei) e que ao invés da perfeição do azul clarinho que não pintei nas paredes, recebi de presente um bebé com uma doença rara e muiiiiiito esquisita e que agora tinha de gostar dele na mesma e olhem... gostei! Se aquela coisa que as pessoas que não têm bebés esquisitos dizem " tu és muito corajosa, és uma guerreira, eu não sei se seria capaz..." e eu fico a olhar com uns olhos mais estrábicos do que os olhos de macaquito lá por volta dos 5 meses (sim, estrábico e quase cego, sem visão periférica e a três dimensões) e penso mas não digo "Claro que és capaz, colocá-lo no lixo não é opção! E os teus ovários não dão garantia, muito menos aceitam devoluções." 
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Mas aquela coisa da auto-comiseração ou de fingir que não percebes (juro que tentei essa, shiuuuu) que o teu filho é anormal apesar de ter 10 ou 11 meses e não segurar a cabeça, não funciona. Primeiro porque ele já usa óculos e as pessoas tendem a aproximar-se do ovo, onde o carregas sempre porque ele não segura a cabeça, nem as pernas, nem nada que seja suposto segurar, só para dizer "coitadinhooooo" ou "ele não vê bem?" e tu respondes "Claro que vê, isto é uma espécie de baby power, ele não fala à frente de estranhos mas pede-me sempre os óculos radicais e o gel no cabelo antes de sairmos de casa, só para o style, é o que diz." E em segundo, porque tens sempre amigos que são.... médicos, filhos de médicos, chico-espertos ou apenas pessoas que sabem como é suposto um bebé comportar-se nas 1500 etapas diferentes do desenvolvimento infantil e uma das coisas que não é suposto aos 10/11 meses é dizer uma catrefada daquelas palavras difíceis como gato, rua, Rita, Romeu, etc e não conseguir dizer mamã ou papa (desenganem-se os pais modernos, o que os bebés dizem é papa, não é papá! A menos que o papá tenha mamas e leite nas mamas). Tomem!
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Assevero que quando levei um matulão com 350 kg para a creche, lindo, enorme para os seus 20 e coisa meses mas que não andava e mal falava (falar não é dizer palavras difíceis, ou os números, animais e cores em inglês, é juntar 2 ou 3 palavritas) e confrontada com todos os outros putos da mesma idade ou mesmo mais pequenos, ali faladores, corredores, cheios de gracinhas e merdinhas que os pais normais gostam de nos contar esfregar na cara, pensei para comigo que se calhar o melhor era levá-lo de novo para a ama, onde apenas era comparado com o gato e mesmo o gato não se misturava muito com ele. Mas enfrentei o touro pelos cornos e ensinei uma catrefada de gente que ter de fazer 30 mil terapias em casa e fora dela, gastar cada tostão amealhado, passar noites inteiras a pesquisar na internet "1001 formas de dar autonomia a uma pedra", podia ser muito gratificante e que afinal o fim do mundo não tem o nome duma doença qualquer, nem mesmo quando começas a suspeitar que há mais donde aquela veio ou mesmo mesmo quando as tuas suspeitas se verificam.
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Não me cabe julgar aquelas pessoas que acham que sim mas acho que é mais fácil ir entranhando a coisa e quando falhamos redondamente nesta coisa de ser mãe de deficiente, pelo menos temos desculpa, "Eh pá, não estava preparada para isto!" E quando falhamos nas outras partes, aquelas de ser só mãe (festas de anos perfeitas com cupcakes e merdas a condizer, folharecos, fotos no FB dos boletins de notas, matchy-matchys e afins) temos sempre desculpa "estava ali a ser guerreira e corajosa que isto de ser mãe de deficiente é coisa para dar muito trabalho..." e pronto, tudo desculpado.
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente e autista. Juro, que se me tivessem perguntado, eu dizia "Naaa, deixe estar, fica para outro dia." mas ninguém me perguntou e por isso, agora que sou mãe de um filho maravilhoso, cheio de pinta (é assim que se diz, não é?!), lindo, divertido, inteligente e preguiçoso, teimoso que nem um burro mas meigo e honesto, digo-vos do fundo deste coração inchado de orgulho " Não tenho para a troca, arranjem o vosso deficiente que este será para sempre parte daquilo em que me tornei."

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Ser crescida

- Mamã, a escola ao lado da nossa é para os meninos do 5º ano, não é?
- Sim, pertence ao mesmo agrupamento.
- E o mano vai para lá para o ano?
- Se tudo correr bem vai, se estiver preparado.
- Eu acho que ele não está preparado, é melhor ele não ir.
- Logo se vê, ainda falta muito para acabar o ano.
- Pois mas eu tenho medo que ele vá, ele até pode estar preparado para as aulas mas tenho medo que lhe batam ou que gozem com ele.
Partilhamos exactamente as mesmas preocupações, inquieta-me perceber que o fardo, que lhe passo involuntariamente, seja talvez demasiado pesado.  Queria agora que ela vivesse a plenitude dos seus 7 anos, que fosse só criança ao invés de ter de gerir medos e emoções que não lhe estão destinados. A dada altura da sua pequena vida, achei que lhe devia explicar por que raio é que tolerava certos comportamentos do irmão e não a ela, expliquei-lhe também que ela deveria ser mais tolerante com ele mesmo que recortasse tudo mal ou não soubesse desenhar uma casa, ela teria uns 4 anos e respondeu-me que tinha entendido tudo, que o irmão "tinha uma doença, na cabeça", não foi nada do que lhe disse mas foi assim que ela entendeu. Nesse dia sorri, achei graça à sua percepção, longe de mim imaginar que nesse dia lhe vesti um colete de areia, daqueles que tanto se fala agora, que são bons para os meninos como o irmão e que pesam 7 quilos, só que o colete não lhe deu apenas informação proprioceptiva, criou-lhe um vínculo, uma imposição de maturidade, uma obrigação que eu nunca quis que tivesse, ou pelo menos, não tão cedo. 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Doces conversas

Ao deitar:
-Mãe, como é que nasce o pão?
-A sério macaquita? Nem acredito que me estás a perguntar uma coisa dessas. O pão não nasce, faz-se com farinha, água e fermento.
-Siiimmmm, eu sei mas donde é que vem a farinha.
-Dos cereais, o que nós comemos, por exemplo, é de trigo. O mano come de milho, arroz...
-E o trigo vem de onde?
-É uma planta, lembras-te do milho que plantaste? No final apanhaste uma maçaroca com muitos bagos. O trigo não é bem igual mas também dá uns grãos que depois são moídos para fazer farinha.
-Ah, então e o açúcar?
-Vem da cana-do açúcar que também é uma planta. E agora já chega, toca a dormir que o mano também quer um miminho. Amanhã mostro-te as plantas no computador para veres como são os grãos, as canas...
Deito-me ao lado dele e mais um inquérito.
-O que é que estavas a falar com a mana? Nunca mais vinhas.
-Ela estava a perguntar-me como nasce o pão? - rimo-nos os dois.
-Ahhhh tontinha, o pão não nasce.
-Sim, foi o que lhe estive a explicar.
-E o que é que ela perguntou mais? - conhece-a bem e sabe que a conversa nunca fica por ali.
-Tanta coisa. Depois dos cereais perguntou-me donde vinha o açúcar.
-Do açucareiro, claro!

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Super nada

Não vou esmiuçar o que já foi espremido e exprimido net afora. Tenho a legitimidade que me quiserem dar no que concerne a educação de crianças, as minhas crianças. Não tenho intenção de dar opinião sobre a educação que cada um dá aos seus filhos porque me irrita sobremaneira que o façam em relação aos meus. Se me pedirem um conselho, eu dou, sem julgar. 
Noutro dia dei uma galheta na minha filha porque me faltou ao respeito pela primeira vez em 7 anos, nada de grave por sinal, apenas um "nanananannana" quando lhe chamava a atenção, a minha mão saiu disparada e acertou-lhe na bochecha de raspão, arrependi-me no segundo seguinte, ela também. Engoliu as lágrimas durante 10 minutos e a seguir pediu-me desculpa, desculpei. Não lhe pedi desculpa mas não engoli as lágrimas, ausentei-me apenas o tempo suficiente para que não as percebesse. Senti-me durante um dia ou dois a pior mãe do mundo, não por lhe ter dado a galheta mas por ela achar que me podia faltar ao respeito.

domingo, 14 de janeiro de 2018

2 Rodas 0 Cérebro

Os meus filhos não sabem andar de bicicleta sem rodinhas, a macaquito  até desculpamos por todas as questões relacionadas com desenvolvimento, motricidade, etc. Já ela não tem desculpa, houve uma altura, bem mais pequena que até arriscava e esteve quase lá, depois assustou-se ou magoou-se ou preguiçou, o que é certo é que ainda não sabe mas tem vontade.
-Tens de treinar o equilíbrio, muitas e muitas vezes até conseguires. - dizia-lhe o pai ao almoço. - Quando deres por ela estás a andar.
-Quando der por ela? - perguntou confusa, nunca entende este tipo de expressões porque interpreta tudo à letra.
-É maneira de falar, quando menos esperares, consegues andar sozinha.
A seguir ao almoço, lá foi ela para o quintal, treinar na bicicleta sem rodinhas. Os avós chegaram e enquanto macaquito foi dar um passeio com o avô, eu e a avó conversávamos junto à lareira.
-Mãe, mãe, tu não vais acreditar. - entra de rompante na cozinha, completamente histérica. - "Eu dei por ela" e consegui andar sozinha.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

No fundo só os gatos importam

-Sabes mãe, ser bombeiro afinal não é assim tão fixe. Acho que já não quero ser bombeiro.
-Então porquê? Andas indeciso outra vez?
-Os bombeiros só salvam gatos... e apagam fogos. Não fazem mais nada fixe. Acho que quero mesmo ser carteiro.
-Humm, carteiro. E o que fazem os carteiros assim tão fixe? - pergunto.
-Ooohhh mãe, entregam o correio. Mas também podem salvar gatos!

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Depois das cenas cómicas na sala de espera e antes da cantoria no corredor de saída

Uma consulta, num consultório enorme com duas valências, de um lado está macaquito a ser visto pelo médico e do lado oposto, um outro menino com os pais a fazer avaliação com as técnicas. Até aqui, tudo normal, o que não acho nada normal mas compreendo tão bem, é o progenitor da outra criança, não ter prestado atenção nenhuma à avaliação do seu próprio filho porque não tirou os olhos de macaquito e ria à gargalhada com todos os disparates que ele foi debitando enquanto o médico tentava fazer da consulta uma coisa séria mas falhando redondamente. 

Tão crédulo

Após uma noite de 4 horas e meia, mal dormidas, seguimos viagem até Lisboa para mais uma consulta, não se cala um minuto e não há sono que resista a tanta tagarelice. Nevoeiro cerrado até Vila Franca, ao chegarmos à zona do aeroporto, o trânsito em pára-arranca, por coincidência começam a dar as notícias do trânsito na rádio. 
-Olha mãe a Inês Lopes Gonçalves deve estar a ver-nos nas câmeras do trânsito.- ainda lhe admiro a capacidade de reconhecer todas as vozes da rádio  mas respondo em tom de gozo.
-Sim, sim, provavelmente está!
Estranho a ausência de resposta, espreito  pelo espelho e vejo macaquito a acenar vigorosamente para a janela.

sábado, 6 de janeiro de 2018

É peixe...

Sempre que me quer dar graxa macaquita elogia as refeições que lhes preparo.
-Este jantar está delicioso, adoro este peixe! É o quê?- pergunta ela referindo-se à espécie.
-É o quê?! Ai macaquita, é bom! - responde o irmão prontamente.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Começo por adiantar um pedido de desculpas aos meus vizinhos

Depois de meses de estudo do Balão do João para violino, vai que o professor de acordeão de macaquito lhe dá a mesma música para estudar. 
A primeira diferença está apenas nas notas musicais, passamos de um MI DO DO RE SI SI... para um SOL MI MI FA RE RE...
A segunda e primordial diferença é que macaquita traz o violino para casa e eu estudo com ela, o que tem contribuído em larga escala para a minha perda de capacidade auditiva. Já macaquito, só toca na aula, em casa estuda as notas comigo, ou seja, cantamos as notas em casa, o que acredito que já tenha contribuído para uma eventual ordem de despejo por parte da demais vizinhança.
Ontem fomos à aula dele, a qual eu assisto (numa metodologia  de "watch and learn") e ele ia com a lição bem sabida mas apesar de se sair sempre melhor do que eu espero quando toca a pôr os deditos nas teclas do acordeão, dou comigo a pensar que ainda temos um longo caminho pela frente. 
No entanto, posso até dizer felizmente, ele tem um professor fantástico que acredita mesmo nele e tem muito de pedagogo. No final da aula, a notícia que macaquito aguardava ansiosamente desde Outubro.
-Bem macaquito, acho que estás quase preparado, mais duas aulas e começas a levar o acordeão para casa.
Pareceria muito mal se deixasse umas caixinhas de tampões para os ouvidos em cada caixa de correio?

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Daqui para a frente

Vejo os meus filhos crescer num instante, faço planos de coisas que quero fazer com eles e assusto-me ao reparar que talvez já não vá a tempo. Parece que tenho os dias a prazo, a infância é demasiado curta e quando todas as possibilidades não passam disso, possibilidades, vai que eles já têm as calças demasiado curtas. De movimentos restringidos nada posso fazer que não seja almejar, por dias melhores, por saúde, dinheiro e felicidade, esta última acaba por ser a mais fácil se não formos demasiado exigentes, fico-me bem com um fado mal cantado ou um violino tocado com a pressa de quem vai apanhar o comboio. Não me assusta a velhice, afinal quando lá chegamos é para o resto da vida, portanto, não há que temer, temo somente que lá chegue antes de cumprir os planos que vou protelando por razões que me ultrapassam e às quais, por mais que me esfalfe, não consigo pôr cobro.
Assim sendo, tudo o que desejo daqui para a frente, é uma camisola mais larga, que me permita mexer e cumprir com as promessas que teimo em não fazer para não lhes falhar.