quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Os que não se ajustam vão para onde?

Nunca tive intenção de fazer deste blog um muro de lamentações  mas hoje vou fazer umas queixinhas só porque me apetece e também vou dar uns conselhos, daqueles bons para engarrafar e só consumir em caso de muita necessidade. 
Para começar, invistam em crianças de qualidade, nunca mas nunca comprem os vossos filhos na loja do chinês, têm 99, 7% de possibilidades de eles virem com defeito e mesmo que pareça que não vos vai fazer diferença (e provavelmente não faz!) mas a longo prazo vão perceber que essas pequenitas imperfeições vão ter um impacto gritante na vida deles. 
Para qualquer comum mortal, um filho é sempre perfeito, no entanto aos olhos dos outros as coisas já não são tão terra a terra. Temos tendência a criticar mesmo que não saibamos tudo (ou mesmo nada!) sobre esses outros e por vezes as coisas não são tão simples quanto aparentam. No meu caso, o meu problema está exatamente do lado oposto. Os meus macaquinhos têm algumas desconexões ao nível cerebral e não há ninguém mais ciente disso do que eu, sou a primeira a assumir que o defeito é com certeza da fábrica, provavelmente deveria ter escolhido outro pai ou o pai deveria ter escolhido outra mãe mas agora o mal está feito e na falta de tratamento metem-se uns remendos. 

Agora mais a sério porque o que quero mesmo é falar de inclusão, esse tema tão bonito e floreado nos discursos de tanta gente mas que em Portugal só acontece assim muito, muito ao de leve. 
Bonito e floreado seria não termos  falar deste tema, significaria que tudo seria perfeito, que existiam acessos para cadeiras de rodas em todos os espaços públicos e privados, a construção era feita de antemão a pensar nos cegos, nos surdos e mudos, as exposições de arte, o cinema, o emprego e a escola seriam pensados para todas as pessoas independentemente da sua condição. Isto é utópico? É! Tenho consciência disso mas não é de todo utópico pensar que no século XXI todas as escolas estariam dotadas de professores, pessoal técnico e auxiliar formado para receber crianças e ensiná-las de acordo com as suas diferenças, fossem elas de que foro fossem. 

Ter dois filhos com necessidades educativas especiais, obrigou-me a arregaçar as mangas, obrigou-me a aprender coisas que nunca me passaram pela cabeça, sou mãe, educadora, terapeuta e professora dos meus filhos e tem dias que toda a logística que isso envolve me deixa completamente de rastos. É para mim inconcebível que os meus filhos tenham vedações só porque não nasceram iguais à maioria e porque os pais não têm condições financeiras para lhes proporcionar equidade. Por isso vou à luta, tento de todas as formas que a escola, pelo menos a escola, seja inclusiva e confesso que não está fácil. Ao longo dos anos tenho conhecido os melhores profissionais, alguns professores, técnicos, terapeutas, e auxiliares que mais que profissionais são pessoas com um coração enorme e que travam lutas iguais à minha pela igualdade mas há sempre o outro lado, aqueles que se estão pura e simplesmente a cagar ou aqueles que estão tão cientes de si próprios e daquilo que (não) sabem que se esquecem que os miúdos, mesmo os "normais" são todos diferentes e que por isso necessitam de abordagens diferentes.

Com o ingresso de macaquita no quinto ano os nossos problemas quadruplicaram, estamos em fins de novembro e vejo-a afundar-se e desmotivar dia após dia. Passamos a maioria das suas tardes livres a estudar, a rever aulas, conceitos e a aprender a interpretar questões. Não tendo especificamente problemas de aprendizagem mas com todas as lacunas diagnosticadas ao nível da linguagem, léxico, fonologia e interpretação, défice de atenção, etc, as notas não são brilhantes e tudo o que precisava era de alguém que lhe lesse os testes ou de ter testes de pergunta direta. Imaginem que se munem de relatórios médicos, decretos e bom-senso e pedem reunião com quem de direito para invocar aquilo a que ela tem direito e ouvem como resposta que enquanto não tiver negativas, a educação especial não pode intervir ou " Desculpe, eu não sou médica e não quero invalidar o que está escrito nestes relatórios médicos mas para mim a sua filha não tem problema nenhum, ela é só infantil!" ou ainda, "Ela só é assim porque tem a muleta da mãe, tem de deixar de fazer trabalhos com ela ou corrigi-los pois ela assim traz tudo certo para a escola e os professores não ralham com ela."
O problema afinal sou eu, os meus filhos têm uma mãe que pelas piores razões tem tempo para eles, portanto, trabalha com eles diariamente para que eles consigam realizar aprendizagens que não são conseguidas na escola porque na escola se ensinam todas as crianças da mesma maneira, independentemente da sua capacidade de aprender. E se não aprender? Não faz mal porque ao final do ano passam todos mesmo que não tenham aprendido nada. Grata por ter na mesma sala a professora da educação especial que conhecendo macaquita de anos anteriores e que me conhece também muito bem, percebeu que eu estava a um milissegundo de explodir, contradisse educadamente a professora em questão e disse-lhe que ia encaminhar macaquita para as terapias necessárias, em conversa privada comigo disse que eu estava a fazer tudo bem porque conhece e muito bem os meus filhos e sabe o quanto eles necessitam desse trabalho individualizado. Eu também sei que sim, que faço um trabalho fantástico e que seria plausível deixar de me preocupar, esperar talvez que eles tivessem muitas negativas para que a escola interviesse depois. Só que não, obviamente não vou prejudicar intencionalmente os meus filhos para que a sociedade venha depois a correr salvá-los.... quando vem.

Isto é só a escola, pensam vocês. Não, isto não é só a escola, é um retrato de uma sociedade podre que continuar a colocar em quadros de mérito os que atingem objetivos bacocos e a ostracizar todos os que não se ajustam ora porque são pobres, ora porque são velhos, ora porque são mulheres ou homossexuais ou deficientes...  ora porque são outra coisa qualquer que aquilo que o espelho lhe mostra.  Injetam-se milhões em bancos afundados por gente sem escrúpulos e há pessoas a recolher tampinhas para dar alguma dignidade a quem dela precisa. 

6 comentários:

  1. Duas enteadas sem qualquer problema de aprendizagem, só preguiça, indiferença da mãe e distância física nossa, há uns 5/6 anos, elas no 8 e 9, pedimos reunião em fevereiro com as responsáveis das turmas para vermos o que poderia ser feito para elas trabalharem melhor, e receberem ajudas das matérias que entretanto ficaram para trás.

    1200km depois, estamos nós os dois em frente a duas professoras muito admiradas, que a T e a C não tinham problema nenhum na escola já que 1° eram educadas e nunca foi preciso suspender, 2° eram as melhores da turma.

    A dificuldade que foi convencer as professoras a dar-lhes mais atenção e nós informar.

    *As melhores da turma, T com médias entre o 9 e o 11, C com médias entre o 10 e o 12...

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    1. Imagino, crianças sem qualquer tipo de distúrbio e ainda por cima educadas... Não chateiam, para os professores já é óptimo. Nesse caso talvez bastasse um apoio através da psicóloga da escola mas isso seria gastar recursos.
      No caso de macaquita é parecido, super comportada, notas no suficiente portanto os relatórios médicos com os diversos diagnósticos e o decreto 54 a pedir algumas adequações, não contam para nada. Basta olhar para os testes dela para perceber que ela não entende as perguntas, aliás, nos testes de várias disciplinas tem notas deste género "ATENÇÃO à pergunta".

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  2. Não querendo, de todo, comparar a situação e as exigências, o meu filho tem sobredotação e a atitude de acharem que " tem boas notas portanto está tudo bem" já nos trouxe alguns dissabores ao longo dos anos.

    A primeira ocorreu ainda na pré-escola onde não tiveram consideração alguma pelas suas características mais sensíveis e onde o colocarem numa situação extremamente vulnerável para apaziguar e tentarem omitir uma situação de violência entre crianças extremamente grave (seria grave para qualquer criança naquela faixa etária - a questão é que as pessoas não compreendem que ter uma capacidade cognitiva acima da média não significa ter maturidade para lidar com algumas coisas que apenas adultos deveriam ter de lidar).

    Já este ano tive que basicamente ameaçar a escola com um advogado para conseguir tirar o meu filho de uma disciplina facultativa. Como ele tem boas notas, pedir para sair de uma disciplina que o estava a levar à recusa escolar, a crises de choro frequente e à total desmotivação não era preocupante...para eles.
    Mas eu dizer que o meu filho odiava a professora já foi algo que chocou muito a pessoa que se reuniu comigo...

    Fui indirectamente "ameaçada" com a CPCJ se ele não se apresentasse às referidas aulas e eu tive de alertar cordialmente para não se esquecerem que a escola e a professora também seriam investigados - eu não iria omitir absolutamente nada à CPCJ. Além disso alertei que eu iria recorrer a todos os meios legais disponíveis para conseguir que ele não tivesse que frequentar as referidas aulas e que queria uma justificação escrita e assinada onde estivesse indicada a lei que o obrigasse a frequentar a referida disciplina.

    "E se fosse uma disciplina obrigatória e ele não gostasse da professora?!"
    - Perante as mesmas circunstâncias ele já não estaria a frequentar esta escola!

    Nem 24 horas depois já tínhamos o aval para desistir da aula...


    Posto isto tudo, sei (por motivos pessoais e profissionais) que aquilo que nós enfrentamos é minúsculo face aquilo que outras crianças com outras características enfrentam. Não quero mesmo ser interpretada como estando a comparar esta situação com aquilo que vocês e outras pessoas passam que são muito mais difíceis de resolver.

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    1. Aqui qualquer comentário é bem vindo e em relação ao seu só posso agradecer o testemunho. A publicação vem exatamente nesse sentido, o da compreensão de cada criança na sua individualidade. Sendo a escola o lugar onde passam grande parte do seu tempo, seria de esperar que as pessoas a quem confiamos diariamente os nossos filhos os ensinem tendo em conta as suas particularidades. Essa questão de ameaçar pais que "dão trabalho à escola" com a CPCJ ultrapassa-me. Tal como vocês, já passámos questões de bullying e de desistência de disciplinas não obrigatórias por problemas com o docente, consegui sempre resolver sem problemas de maior com a direção mas talvez tenha a ver com o facto de macaquito ser autista e haver uma maior solidariedade com a parte social.
      Obrigada mais uma vez, estarei sempre deste lado para ouvir TODAS as pessoas e no email também.
      Abraço ❤

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