quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O melhor de mim é deficiente, não tenham medo de dizer a palavra, vá... repitam comigo DE FI CI EN TE

Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Honestamente não sei o que odeio mais, se a minha célere admissão que andei 9 meses errada (ninguém imagina que me custa bué assumir que me enganei) e que ao invés da perfeição do azul clarinho que não pintei nas paredes, recebi de presente um bebé com uma doença rara e muiiiiiito esquisita e que agora tinha de gostar dele na mesma e olhem... gostei! Se aquela coisa que as pessoas que não têm bebés esquisitos dizem " tu és muito corajosa, és uma guerreira, eu não sei se seria capaz..." e eu fico a olhar com uns olhos mais estrábicos do que os olhos de macaquito lá por volta dos 5 meses (sim, estrábico e quase cego, sem visão periférica e a três dimensões) e penso mas não digo "Claro que és capaz, colocá-lo no lixo não é opção! E os teus ovários não dão garantia, muito menos aceitam devoluções." 
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Mas aquela coisa da auto-comiseração ou de fingir que não percebes (juro que tentei essa, shiuuuu) que o teu filho é anormal apesar de ter 10 ou 11 meses e não segurar a cabeça, não funciona. Primeiro porque ele já usa óculos e as pessoas tendem a aproximar-se do ovo, onde o carregas sempre porque ele não segura a cabeça, nem as pernas, nem nada que seja suposto segurar, só para dizer "coitadinhooooo" ou "ele não vê bem?" e tu respondes "Claro que vê, isto é uma espécie de baby power, ele não fala à frente de estranhos mas pede-me sempre os óculos radicais e o gel no cabelo antes de sairmos de casa, só para o style, é o que diz." E em segundo, porque tens sempre amigos que são.... médicos, filhos de médicos, chico-espertos ou apenas pessoas que sabem como é suposto um bebé comportar-se nas 1500 etapas diferentes do desenvolvimento infantil e uma das coisas que não é suposto aos 10/11 meses é dizer uma catrefada daquelas palavras difíceis como gato, rua, Rita, Romeu, etc e não conseguir dizer mamã ou papa (desenganem-se os pais modernos, o que os bebés dizem é papa, não é papá! A menos que o papá tenha mamas e leite nas mamas). Tomem!
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Assevero que quando levei um matulão com 350 kg para a creche, lindo, enorme para os seus 20 e coisa meses mas que não andava e mal falava (falar não é dizer palavras difíceis, ou os números, animais e cores em inglês, é juntar 2 ou 3 palavritas) e confrontada com todos os outros putos da mesma idade ou mesmo mais pequenos, ali faladores, corredores, cheios de gracinhas e merdinhas que os pais normais gostam de nos contar esfregar na cara, pensei para comigo que se calhar o melhor era levá-lo de novo para a ama, onde apenas era comparado com o gato e mesmo o gato não se misturava muito com ele. Mas enfrentei o touro pelos cornos e ensinei uma catrefada de gente que ter de fazer 30 mil terapias em casa e fora dela, gastar cada tostão amealhado, passar noites inteiras a pesquisar na internet "1001 formas de dar autonomia a uma pedra", podia ser muito gratificante e que afinal o fim do mundo não tem o nome duma doença qualquer, nem mesmo quando começas a suspeitar que há mais donde aquela veio ou mesmo mesmo quando as tuas suspeitas se verificam.
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente. Não me cabe julgar aquelas pessoas que acham que sim mas acho que é mais fácil ir entranhando a coisa e quando falhamos redondamente nesta coisa de ser mãe de deficiente, pelo menos temos desculpa, "Eh pá, não estava preparada para isto!" E quando falhamos nas outras partes, aquelas de ser só mãe (festas de anos perfeitas com cupcakes e merdas a condizer, folharecos, fotos no FB dos boletins de notas, matchy-matchys e afins) temos sempre desculpa "estava ali a ser guerreira e corajosa que isto de ser mãe de deficiente é coisa para dar muito trabalho..." e pronto, tudo desculpado.
Ninguém está preparado para ter um filho deficiente e autista. Juro, que se me tivessem perguntado, eu dizia "Naaa, deixe estar, fica para outro dia." mas ninguém me perguntou e por isso, agora que sou mãe de um filho maravilhoso, cheio de pinta (é assim que se diz, não é?!), lindo, divertido, inteligente e preguiçoso, teimoso que nem um burro mas meigo e honesto, digo-vos do fundo deste coração inchado de orgulho " Não tenho para a troca, arranjem o vosso deficiente que este será para sempre parte daquilo em que me tornei."

18 comentários:

  1. <3
    Li tudo, tudo. (Estou embargada.)
    Gosto de ti.
    <3

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  2. Oh Be, nunca tinha comentado mas hoje tem de ser.
    Sigo o teu blog há algum tempo, e tenho aprendido muito. Hoje deixaste-me de "lágrima no canto do olho"!
    O meu piolho crescido tinha 1 mês quando começou a aparecer e a crescer um enorme hemangioma na orelha - uma bola vermelha enorme e saliente. Depois de vários opiniões médicas (todas consensuais que concluíam ser apenas uma questão estética, uma vez que não afectava a audição) encontrámos um que nos olhou nos olhos e disse: "Vocês sabem que uma cirurgia nesta idade é um risco enorme. Além de que remover um hemangioma tão grande vai deixar uma cicatriz para o resto da vida. O mehor a fazer é esperar pela fase de regressão (que poderá ser daqui a 1 ano ou na fase de adolescência, acabou por ser pelos 3 anos) e ignorar aquelas mães que virão ter convosco apenas para vos mostrar o quão perfeito é o bebé delas.
    Era difícil alguém não reparar no hemangioma, quando perguntavam limitava-me a responder que era um sinal de nascença (na maioria das vezes os hemangiomas aparecem logo à nascença) que viria a desaparecer um dia mais tarde.
    Mas tive situações caricatas em que as pessoas não ficavam satisfeitas com a resposta e insistiam que só poderia ser uma consequência de um acidente doméstico, tipo uma queimadura. Uma vez uma sra que me atendeu num supermercado tanto insistiu que aquilo não podia ser um sinal de nascença que eu acabei por lhe dizer: "Tem razão, eu confesso, eu queria furar uma orelha ao meu filho porque acho que dá estilo, mas fi-lo em casa, não correu bem e ele agora tem esta infecção enorme" Ela ficou a olhar para mim chocada e eu saí de lá às gargalhadas...
    Bem, isto tudo para dizer que os nossos filhos podem não ser perfeitos aos olhos dos outros mas para nós não podiam ser de outra maneira .
    E sim Be, és uma mãe muito corajosa e guerreira!
    Beijinhos
    Gi

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    1. Obrigada pelo testemunho, é sempre bom perceber que não estamos nisto sozinhos e que afinal a linha que separa a normalidade do resto está nos olhos de quem olha. Não digas a ninguém que "aprendes" coisas aqui, isto é um blog para tótos ;)
      Beijinhos

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  3. <3 <3 <3

    Glup...

    Ainda bem que não estamos preparados, porque ficaríamos presos a preconceitos e clichés, fechados a novas terapias, sem esperança, afinal estávamos preparados, cheios de certezas, sabíamos tudo o que havia a saber.
    Eu tenho aprendido tanto contigo e com o macaquito, sobretudo com o macaquito. Porque onde ele precisa de ser estar bem construído, no coração e carácter, parece-me que dificilmente arranjarias um menino tão perfeito.

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    1. Ninguém pode afirmar estar preparado para uma situação destas, nem que já o soubesse de antemão, que não foi o nosso caso. Há um processo de gestão emocional que se vai conseguindo melhorar com o passar dos tempos. Confesso que poucas coisas me roubam o sorriso ou a coragem de continuar a lutar por uma vida melhor para o meu filho. Neste momento, confesso que apenas a minha incapacidade financeira para suprir até algumas necessidades básicas de ambos os miúdos, me tem tirado o sono. Dizem que o dinheiro não dá felicidade mas a falta dele, impede-nos muitas vezes, de prosseguir com terapias ou actividades dirigidas à autonomia destas crianças. Faço o impossível, trabalhamos muito em casa, perco horas de sono em pesquisa e métodos caseiros para colmatar essas necessidades e cá nos vamos safando.
      Fico feliz com o facto de saber que tenho ajudado muita gente, uns porque têm histórias parecidas, outros, como tu, que assumem ter outros olhos para a diferença e a deficiência. Só por isso, vale a pena!

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  4. Be, tanta coisa para te dizer, mas vou ficar pelo essencial, gosto mesmo de ti. E obrigada por partilhares, sabes que sou madrinha de um macaquito como o teu, e tenho aprendido muito contigo. Obrigada, de coração.

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    1. És uma sortuda, tal como eu. Obrigada eu, por me deixares chegar a esse lado.

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  5. Minha querida (permita-me que a trate assim pois imagino-a uma pessoa muito querida MESMO),

    Leio o seu blog há bastante tempo mas nunca comentei.

    Tenho 2 filhos, ditos "normais". A minha M tem também a idade da macaquita, e muitas vezes identifico-a nas situações que conta.

    Mas dou por mim muitas vezes a pensar que sou uma palerma, por vezes com pouca paciência para os miúdos, quando leio os posts deliciosos que faz e em que a paciência e o amor estão tão ligados.

    Felicidades para a sua familia

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    1. Que comentário delicioso. Ser pai ou mãe é mesmo isso, é também perder a paciência, é sermos umas palermas e assumirmos que há dias em que falhamos redondamente. Sou tolerante com muitos disparates, não me zango se sujam, se entornam, se riscam paredes e coisas parecidas, talvez porque macaquito não "conseguia" fazer as asneiras habituais das crianças e houve alturas em que daria um dedo da mão para vê-lo fazer uma birra ou um disparate qualquer. Mas perco a paciência com ela muitas vezes e muitas vezes, acabo por ser injusta.
      Não há pais perfeitos!

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  6. caramba, Be, isto é que chamar tudo pelos nomes. e por tudo isto deixo cá um abraço de um tamanho que não precisa de medidas certas.deixou-me sem fôlego e a pensar que aqui há vida bem diferente daquela certinha que eu tenho, apesar de já ter levado tanta trombada.
    um beijinho,
    Mia

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    1. São nomes, palavras, não há que ter medo de dizê-las por muito forte que pareçam se dissermos muitas vezes, perdem a força. Eu também já tive uma vida certinha, antes e depois de macaquito, apesar de todas as trombadas que levei pelo caminho e que fazem parte das vidas de quase todas as pessoas. O agora é difícil, muito difícil, parece que nos caiu o céu em cima, duma coisa tenho a certeza neste momento, macaquito nunca foi e nunca será um problema, ele e a irmã são o meu equilíbrio emocional, o resto há-de se compor.

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  7. O que eu admiro em ti é a tua enorme capacidade de, mesmo nos dias difíceis, olhares sempre, mas sempre, para o lado positivo da situação e conseguires retirar algo de bom daí.
    Eu lido com CEIs e realmente a paciência, o bom senso, a sensibilidade...adquirem-se com a aprendizagem diária, não em livros.
    :)

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    1. Não fosse assim já tinha dado em doida... mais doida :)
      Aprendi tanto, costumo dizer que tenho o mestrado mas falta-me o diploma. Podemos tirar muita informação dos livros mas com crianças (deficientes ou não!) não há dois dias iguais.

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  8. Querida Be,

    Este post passou-me porque não tenho cá vindo.

    Pouco haverá a acrescentar face ao que já li nos comentários (a propósito, ele há gente mesmo porreira por aqui!!), mas o beijinho com carinho e manifestação de profunda admiração tinha de sair do teclado do meu telemóvel para os teus olhos 😃

    És, de certeza, um orgulho para todos os que fazem parte da tua vida.
    Imagino o orgulho dos teus pais, marido (e por aí fora).

    És pra lá de espetacular, Be!


    Um abraço apertado💙

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    1. Abraço de volta Isabel, tenho os melhor comentadores de sempre.
      Obrigada!

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Dá cá bananinhas!