quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Pandemia no coração

Nos últimos tempos, foram muitas as vezes que aqui cheguei com o fogo nos dedos para contar um qualquer disparate de macaquitos mas há sempre qualquer coisa que me faz deixar as histórias nos rascunhos, sejam coisas minhas ou loisas dos outros. 

Tenho o coração triste, amargo, ressentido, amassado até. Ainda me rio dos disparates que já não conto, emociono-me com as dores alheias,  desiludo-me mais com as pessoas, espero mais alto e caio mais fundo. Confronto o meu bem-estar mental e sei todas as razões para me sentir assim, só não sei preparar a poção para arrepiar caminho. Não me prendo em memórias pois assumo a sua inutilidade na resolução dos meus conflitos interiores mas sinto falta de tanta coisa, do meu pai, dos meus amigos, de ser feliz no trabalho, de ser feliz em casa, de ler, de vos ler, de chorar a rir a ler-vos. 

Venha o que vier neste novo ano, desejo que nos devolva o amor, a gargalhada, o sorriso, a saúde e os abraços, e a ti "Blue", que te devolva os caracóis. 


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Cá se fazem, cá se pagam.

Hora de almoço costumeira, fazer piscinas entre o prato e a escola de macaquitos para conseguir almoçar, dar almoços, deixar na escola de novo e chegar a horas ao trabalho. Paro o carro numa rua paralela à escola deles e apresso o passo até à esquina frente ao portão para que me vejam e se despachem. Ao chegar à ponta do passeio, aguardo que passe um carro antes de atravessar, a condutora que me conhece faz-me sinal para passar, dou um passo enquanto agradeço a gentileza através de um aceno com a mão, nesse instante a biqueira da bota bate levemente no empedrado e dou uma queda monumental. Aquele segundo no ar em que percebo que não tenho hipótese, já estou a pensar em calão. Aterro no meio da estrada em frente ao carro, além da mão esquerda, são os joelhos que embatem ferozmente no alcatrão, digo asneiras baixinho. O reflexo inicial, pelo menos na minha cabeça, é fazer que nem anjo da Victoria Secrets, seguir linda e esplendorosa na passerelle, tudo o que consigo é sentar-me! As dores excruciantes toldam-me os movimentos e só me apetece chorar. A condutora que parou para eu passar, aparece com um ar aflito, não consigo descortinar se era preocupação ou se mordia a língua para não se rir da pessoa que, tal Luis de Matos, se esfumou na sua frente. Do outro lado da rua vem outra senhora que também apreciou a cena, visivelmente atrapalhada pergunta-me se preciso de ajuda. Respondo que sim, que me ajudem a levantar que não sou capaz, seguram-me os braços como se tivesse 90 anos (era assim que me sentia, ok?!) e ajudam-me a voltar ao passeio. Perguntam-me se quero uma ambulância, respondo que não, que só preciso de uns minutos para me recompor, se bem que a minha dignidade demorará bem mais que isso. Entretanto, formou-se um engarrafamento porque a rua, de dois sentidos, tem sempre carros estacionados no sentido contrário ao da senhora que parou. Digo-lhe que pode seguir, que estou bem mas no fundo só estava a dispensar o público que observava a cena como se se tratasse de um acidente na autoestrada. Atravesso finalmente a estrada, com as calças rotas e sujas de sangue e peço aos miúdos que não me apressem pois disfarço dolorosamente a vontade de coxear. Perguntam-me o que aconteceu, conto resumidamente e oiço de macaquito a resposta que merecia ouvir há muitos anos:

- A sério mãe, rompeste as calças?