quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Também sinto raiva

Tenho sido muito paciente, meu filho. Aceito de ânimo nada leve, todas as palavras que me contas que te dizem e finjo. Finjo que a maioria delas não tem grande importância, não quero que lhes dês importância, quero que enfatizes apenas as que valem a pena.
Ontem perguntaste se tenho nojo de ti, porque o Salvador assim te disse, que metias nojo e que eu e o pai tínhamos nojo de ti. Não te disse mas tenho nojo desse Salvador que não sei quem é, tenho nojo das palavras que lhe saem da boca, tenho nojo de saber que os pais do Salvador talvez não saibam mas deviam saber que o filho deles, tão pequeno, é uma criança má. Tenho nojo dos que te agridem e dos que te ignoram mas não te posso dizer. Digo-te que continues a fazer esse esforço tantas vezes frustrado de te incluíres num mundo que não é o teu e onde nem sequer te encaixas. Também te digo que não faz mal não seres parte de tudo ou de nada, que podes ser o que quiseres, que só não podes imitar os outros, porque ser igual aos outros é diferente de fazer parte de alguma coisa. Que te podes manifestar na tua individualidade mesmo que isso pareça estranho a tanta gente, que não podes copiar a maldade alheia mesmo que isso te faça sentir melhor. Não deixes que ninguém, nem mesmo eu, desenhe o teu caminho, fá-lo de estranheza, fá-lo de diferença, escreve-o em maiúsculas à máquina que só tu entendes mas nunca escrevas palavras que ouviste, se estas não forem as que te ouço quando me falas ao ouvido de mansinho. Faz o que te digo, não faças o que eu sinto...

10 comentários:

  1. Fiquei com o coração apertado, muito apertado... texto lindo! E fiquei com nojo, nojo das palavras do Salvador...

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    1. A entrada no segundo ciclo tem sido um desafio para ele e para mim. As notas nunca foram tão boas mas os conflitos sociais são diários, ainda temos muito que fazer nesta sociedade tão seletiva, daí as partilhas.

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  2. As palavras do Salvador (que ironia de nome...), sob a forma de pedras, provavelmente são arremessadas ao teu menino e a muitos outros, só que tudo depende do pano em que caem as nódoas, e o dele é limpo e imaculado. Quem sabe não foram os próprios pais do Salvador a usar pela primeira vez esse adjectivo com ele. Há pessoas más, Be.
    E depois há as outras, como tu.
    Um beijinho muito grande (com amendoins) para os dois

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    1. Foi o nome também o que achei mais irónico... Não é fácil gerir todas estas situações de bullying sem ter vontade de bater em alguém, até porque são coisas muito pouco pontuais. Acho que muitos pais não fazem ideia que os próprios filhos têm estes comportamentos mas não duvido que são o espelho daquilo com que as crianças são confrontadas no dia a dia, seja em casa, seja com os pares.
      Não é fácil ser boa pessoa quando acontece com os nossos, faço um esforço hercúleo para "desvalorizar" as situações e ensiná-los a virar as costas. A escola faz muito pouco, os professores têm uma missão quase impossível e muitos pais vivem alheados da realidade.
      Tenho dois filhos enormes, torna tudo mais fácil.
      Beijinho Blue

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  3. Há pessoas más, há pais alheados, há crianças (e adultos!) sem noção, há tanta coisa. Sinto muito que passem por isto. Gosto tanto de vos ler e de tentar aprender e evoluir e ajudar o eu filho a não ser um calhau. Força e amendoins!

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    1. É uma aprendizagem constante para ambos, temos aprendido muito sobre as pessoas. Há momentos mais difíceis mas os sorrisos são sempre mais que tudo o resto.

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  4. Isto é sempre dificil e delicado mas... e porque não falar com os pais do Salvador? Eu cá nunca achei que as crianças fossem o mais puro, o melhor do mundo. Acho-as crueis. Mas se por um lado muitas são fruto da educação despota que lhe dão, de pais que acham os seus meninos perfeitos, alvo de más influencias, os inocentes... haverão pais, por aí, conscientes que talvez prefiram saber quem é o filho e meter-lhe já um travão.

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    1. Sim, estou a aguardar a próxima reunião de pais para esclarecer esya e outras "coisitas" que vão acontecendo. Quero acreditar que os pais serão empáticos e que, tal como eu, gostariam de estar ao corrente.

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  5. Fiquei tão incomodada quando li o teu texto. E na verdade acho que nem consigo imaginar a tua força e a do Macaquito para conseguirem lidar com estas situações como a garra que demonstram. Acredita, que eu que tb sou mãe, iria querer saber se um dos meus filhos tivesse atitudes dessas com algum dos colegas. Alías, uma das vezes fui chamada a atenção pela educadora do meu mais velho quando estava ainda na pré que ele e mais 2 ou 3 crianças "perseguiam" uma menina da turma e não a deixavam ter um recreio descansado. Foi logo alertado que eu e o pai nao iríamos tolerar que isso se repetisse e iria haver consequencias se tal voltassse a acobtecer com qualquer colega. Ele já tinha 5 anos e plena consciência que isso era errado. Tive depois o feedback da educadora que ele mudou radicalmente o comportamento com a colega. Por isso acho mesmo, que além dos pais, a escola também de estar atenta a tudo isso. E tb agir e alertar os pais tantos dos "agressores" como dos "agredidos".
    Beijinhos grandes ao Macaquito
    Cris

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    1. Eu quero acreditar que a maioria dos pais não age por desconhecimento.
      Obrigada pelo testemunho, beijinhos

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Dá cá bananinhas!