Chegámos à casa da aldeia ou, como dizem uns amigos muito queridos (
-Olha, eu vou à frente abrir o portão. - anuímos, ele começa a andar, e quando estamos para arrancar atrás dele, o pai apita o carro na brincadeira. Longe dele imaginar que isso iria espoletar um episódio de susto, não me lembrava da última vez que aconteceu, o certo é que parecia que tinha sido atingido a tiro, levantou os dois pés do chão e caiu como se fosse uma tábua. Ouvi o baque da cara dele a bater no chão e pensei imediatamente que tinha ficado sem dentes. Saí do carro em segundos e só via sangue, agarrei nele da forma mais estúpida que me ocorreu naquele momento e andei o resto da rua até casa com ele por um braço. Já dentro da propriedade, abri a torneira da Fonte de Pedra (
Pedi a macaquita que me trouxesse uma toalha lavada, mudei-lhe a t-shirt, para não parecer que se estava a esvair (mais ainda!) e levei-o para o hospital.
Os oito quilómetros que separam a casa do hospital pareceram oitocentos, especialmente ao nível auditivo, supus que nunca mais recuperaria a audição depois daquela gritaria toda. Entrámos nas urgências e a primeira pergunta que ocorreu ao segurança, muito menos competente que a nossa vizinha, foi:
-Então, há azar? - apeteceu-me responder que não, que só tínhamos entrado para um cafezinho e que macaquito preferia chá, daí a gritaria. Entrámos diretamente para a sala de urgência onde, acredito que TODOS, os médicos e enfermeiros de serviço assomaram à porta dos respetivos gabinetes para perceber que forrobodó era aquele. Disfarçadamente, expliquei a uma enfermeira que macaquito, apesar de parecer um adolescente drama queen, era autista e que estava em pânico, que não se iria queixar uma única vez de dores mas que iria panicar com todo e qualquer procedimento hospitalar, portanto, talvez fosse melhor arranjarem-nos um local discreto para continuar o serviço ou arriscavam-se a perder todos os outros pacientes para um hospital psiquiátrico.
Fomos encaminhados imediatamente para a cirurgia, a médica que nos atendeu não podia ter sido mais humana e competente, a enfermeira que lhe tratou todos os centímetros de corpo sem pele e queimados do alcatrão foi incansável e inteligente, deveras inteligente. Sabem como conseguiu que ele acalmasse antes de seguir para o RX? Emprestou-lhe uma cadeira de rodas. Foi o sossego a partir desse momento para todos, excepto para os pacientes na sala espera da cirurgia, a quem moeu o espírito com os seus relatos do acidente, perguntas sobre o estado de saúde e manobras artísticas na SUPER MEGA CADEIRA DE RODAS!
Foi muito assustador mas o pior já passou, claro que não estamos livre doutra, se bem que espero que não seja muito próxima ou qualquer dia fico-me com uma paragem cardíaca e depois não há ninguém que ature estas merdas.
Só vim aqui relatar isto tudo para saberem que estamos vivos e de saúde, apesar das novas cicatrizes, ele no corpo e eu na alma mas também para relembrar as pessoas menos conscientes destas problemáticas que sejam empáticas, mesmo quando vos parecer que o rapaz maior que a mãe está a fazer uma birra porque tem de levar meia dúzia de pontos nos queixos.